1959
Maria Bonomi de volta de uma viagem de estudos apresenta nas gravuras que aqui se encontram os atestados de seu aproveitamento. Esta gravadora não é uma esperança com a sua mocidade, mas uma esperança realizada em sua mocidade, o que é raro. Vejo as atuais gravuras de Maria Bonomi num plano muitíssimo alto para as artes do desenho no Brasil; da velha matriz gráfica onde me surgiram um dia jovens Goeldi, Livio Abramo, Grassmann, surgem agora esta lava que marca uma etapa na história de nossa gravura. Sei que a própria artista está em debate consigo mesma, e que a esse debate ela é levada pela aspiração de chegar à obra de arte sem nada conceder ao meio ilícito, no traço, no material, siquer no papel em que a reprodução vai repousar. Debate e pesquisa lhe permitiram estas topografias, estes recônditos escaninhos da espeleologia, a libertação do enquadramento, o esforço meditado para a tensão expressiva, rememorativa... Maria Bonomi não é partidária do tachismo, o que seria quebrar à disciplina da gravura. Portanto, estas formas são sempre sinais, vivências, marcas de um espetáculo que atinge a um plano de arte, deliberadamente.
Geraldo Ferraz, 1959
1959
MARIA BONOMI
Os grandes artistas trabalham sempre na procura de uma junção íntima da imagem com os instrumentos da linguagem, selecionando um gênero expressivo, com normas e limites que sejam, ao mesmo tempo, estímulo para a criação e essência do significado poético da obra. Maria Bonomi, ao contrário, procura uma imagem que se relaciona exclusivamente com a condição de “gravura em madeira”: apropria-se da linguagem figurativa em seu ponto de partida com clareza e decisão crítica, o que vem revelar sua percepção da cultura, sua capacidade de meditação estética aliadas à aptidão evidente da criação. O respeito dedicado à estrutura do suporte e às modalidades gráficas estimula a invenção formal de Maria Bonomi e remete às observações de Baudelaire, quando adverte sobre os perigos inerentes aos processos gráficos e à disciplina assídua, arduamente controlada, que descarta qualquer facilidade da linguagem xilográfica, sem alterar suas qualidades naturais.
Maria é muito jovem, nascida em Meina, Itália, 1935; muda-se para o Brasil em 1947, onde segue os conselhos e os ensinamentos de Lasar Segall, Yolanda Mohalyi, Lívio Abramo e Karl Plattner; faz questão de citar seus mestres. Revela a influência que exerceram em sua formação pintores como Prampolini e Vedova e o enriquecimento cultural e espiritual adquirido junto ao meio artístico parisiense e aos ateliês contemporâneos que freqüentou: Magnelli, Arp e Sophie Taeuber, Marini, Capogrossi, Vieira da Silva, Friedländer, Sironi, Burri entre outros. Aliado ao ofício de artista, Maria também escreve críticas perspicazes, publicadas em revistas especializadas, o que vem confirmar sua atitude cultural austera e a modéstia consciente de aprendiz. Apesar disso, suas obras, expostas em mostras importantes, refletem muito mais que uma vocação séria e uma técnica adequada: são invenções poéticas, a seu modo, particulares.
Uma imagem, sugerida a partir da emoção que nasce entre o contato e o colóquio com aquilo que a encerra, encontra sua ordem formal no ritmo de planos diversificados pelo seu valor tonal e através de signos que o equilíbrio geométrico distingue dos arabescos sentimentais. Surge assim uma correspondência imaginária e secreta, mas nitidamente procurada, entre “os sulcos, os traços e os rastros da trama resistente na madeira” - escreveu José Geraldo Vieira – e as variações sugeridas pelas invenções figurativas; uma colaboração intrínseca une artista, matéria e linguagem técnica.
A partir destes sulcos, o espaço é percebido e explorado em todas as dimensões e não se desprende de paredes e fissuras, tão claras e tão brilhantes que, quando acreditamos perceber, poeticamente, a aura sugerida dos seus reflexos e ecos, a artista passa a outro, onde a imagem flutua no rosto da gravura e mantém-se o jogo sutil das vibrações cromáticas, mesmo se apenas branco e preto estão acordados, nunca rompendo a regra áurea da unidade de espaço. A lição de uma artista como Sophie Taeuber-Arp é aqui sentida com sutil insinuação; vemos surgir, sob o aspecto extremamente controlado destes ensaios gráficos, a pretensão dramática de realizar um discurso que não se ajusta a nenhuma regra rígida de estilo, nem recorre aos caminhos escusos do descritivo; não se volta, portanto, nem para a gélida perfeição geométrica, nem para o bom gosto, inútil e hedonista. Nas gravuras de Maria Bonomi, reconhecemos a sensibilidade do fazer e a força da referência poética que, em acordo sensível, fazem seu mérito. E, no decorrer de um longo trabalho de ateliê, da busca apaixonada que a artista persegue em sua batalha humilde e diária, temos a certeza de que verá as fontes de inspiração, encerradas no coração da madeira, identificarem-se sempre com as sugestões de realidade, da imaginação, do sentimento. Maria Bonomi empreende uma expedição arriscada e misteriosa rumo à descoberta dos hieróglifos simbólicos que a Natureza confia à matéria: mensagens lançadas ao Poeta.
Franco Russoli, 1959.
RUSSOLI, Franco. Maria Bonomi. XXe Siècle.
Paris, XXIe année: n. 13, 1959.
1958
Maria Bonomi [...], young Italian-born Brazilian, shows woodcuts and wood-engravings. Most of them are based on a theme popular with her, the destruction of New York, where she is at present studying. By employing a fine and a fluid line, the effect is at present one of soundtracks. They have a neat sensitivity, especially those that use the wood grain and knot holes.
Jurgen Strunk, 1958.
S., J. Maria Bonomi. Art News,
New York, nov. 1958
1958
É raro encontrar-se uma jovem artista, hoje em dia usando a xilogravura como principal meio de expressão. [...]
Bonomi usa vários instrumentos para criar linhas brancas gritantes, ou massas brancas redondas que com freqüência, sugerem as estruturas e as luzes artificiais de Nova York.
Na xilogravura, a invenção de símbolos para corresponder à inclinação tridimensional é essencial. Bonomi pode manobrar o seu buril com agilidade, pois conhece o valor da variação. É animador ver uma tradição iniciada com Vallotton e continuada com Munch e Kirchner levada a termos contemporâneos.
Dore Ashton, 1958.
ASHTON, Dore, Art: A Woodcut Display.
The New York Times, New York, nov. 21. 1958.
1958
Maria Bonomi, a young, talented Brazilian print-maker is showing a selection of new prints in black and white woodcut and wood engraving.
Her work has the excitement that can only come
about through the love and understanding of these two mediums.
It is especially demanding in working with such limitations of pure black and white and occasionally an additional color that the original conception must give full play of freedom to interpret and reinterpret in the process of creating the various concepts so that the final images will obtain its fulfillment. This I believe, Maria Bonomi has done.
Seong Moy, 1958.
MOY, Seong. (apres.). Maria Bonomi. New York,
Roland de Aenlle Gallery, 17. nov./6. dec. 1958.
1956
[...]
Maria Bonomi, atenta ao cultivo dos valores formais que Karl Plattner leva às extremas conseqüências de um rigor ascético capaz de destruir tantas das arrogantes teorias que por aí andam, e atenta ainda às explorações das mais recônditas possibilidades da matéria na criação xilográfica de Lívio Abramo, terá assim entrevisto seu caminho. Mas em caso algum, esqueceu-se de que deveria percorrê-lo com os seus próprios pés. Por isso, os desenhos e as gravuras que hoje expõe, são, legitimamente, de Maria Bonomi.
[...]
Lourival Gomes Machado, 1956.
MACHADO, Lourival Gomes (apres.). Gravuras. Monografias.
Maria Bonomi. São Paulo, Museu de Arte Moderna, jun. 1956.
1953
IDÉIAS DE UMA JOVEM PINTORA
Walter Zanini: Enquanto fala, ela vai colocando, encostados á parede de seu atelier, uma porção de quadros. percebe-se logo que a jovem quis correr muito. Em três ou quatro anos saltou bruscamente de uma filosofia pictural para outra, ao mesmo tempo que procurava aprimorar sua técnica que não foi nem poderia ser tão solícita como o desejaria a pintora. Daí a espécie de metagênese que vemos em tudo o que nos mostra. Só nos seus últimos trabalhos podemos sentir um primeiro estado positivo a que a levaram às transformações sucessivas, feitas por necessidade espiritual e à custa de inegáveis esforços. São telas abstratas, onde se nota o desejo de encontrar um caminho pessoal. Todavia, como a brincar, ela diz:
Maria: De início eu não levava a coisa muito a sério. Agora, tomei consciência...
Walter Zanini: Maria Bonomi esteve a pouco na Europa, onde visitou a Itália e a França:
Maria: Conversei com vários artistas, entre eles Sironi e Magnelli. Este último disse invejar-me por morar num país novo onde se pode fazer arte nova. Ele pretende vir ao Brasil que de há muito namora.
[...]
Maria: Percebi que os jovens europeus estão um pouco cerceados na sua liberdade. Não podem expor. Não podem falar. O ambiente não lhes é propício. Os artistas mais velhos formam suas confrarias, difíceis de serem invadidas pelos que começam. Mas, em todo caso, há grande vontade de trabalhar. Caminham quase em sua totalidade para um abstracionismo que é menos de forma que de idéias.
[...]
Maria: Creio que levamos uma vantagem sobre eles: é que quando queremos resolver um problema de cor, vamos diretamente a nossa riquíssima paisagem e eles ao contrário têm que pesquisar nos Museus, nas galerias, etc. Por outro lado, enquanto aqui um jovem geralmente só desperta para a arte quando alguém lhe abra os olhos, lá a atmosfera parece guiá-lo instintivamente...
[...]
Maria: A pintura brasileira não é só folclore e primitivismo. Ela poderá ter uma característica própria. O nosso abstrato, por exemplo, será lógico quando deixar de copiar o europeu, quando tiver uma inspiração nativa.
Maria: Notei também na Europa que uns copiam aos outros. O meio-ambiente artístico é enorme e é difícil deixar de resvalar para o terreno de influências mútuas e prejudiciais. A originalidade torna-se assim um ponto de chegada cada vez mais problemático. Se eu tivesse ficado lá, acredito até que não produziria coisa alguma de novo. Creio por isso que Magnelli tem razão quando diz que inveja minha sorte de viver num país onde há tanto ainda por fazer.
Maria Bonomi a Walter Zanini, 1953.
ZANINI, Walter. [Idéias de uma Jovem Pintora] “Mudanças Bruscas em Menos de 4 Anos – O Ambiente que Maria Bonomi Sentiu na Europa – “A Pintura Brasileira não é só Folclore e Primitivismo” [O Tempo, São Paulo, 22 de fevereiro de 1953.]