Parti do principio da unidade geológica e arqueológica da América Latina para a conclusão da unidade mítica inquestionável. Uma extensa bibliografia comprova a existência de resíduos culturais idênticos, desde a pré-história, em todo esse território, o que procurei retratar no painel.
De fato o painel, em formato retangular e horizontal, mostra um mapa redesenhado da América Latina, com representações do seu “patrimônio mítico” – muitas delas imitando gravações rupestres - reproduções dos mapeamentos náuticos de populações ribeirinhas, constelações vistas pelos nossos povos, as marcas da colonização européia (que destruiu a unidade cultural do continente). Há desenhos de signos que aparecem no inconsciente dos povos latino americanos, como a “menina sorridente da morte”, a cobra de duas cabeças, o abacaxi como divindade etc.
Não foram esquecidas as figuras que só ganham forma na visão aérea, no Peru, e uma referência à situação atual do continente, como o desenho do olho de Cuba, que está nos olhando, a todos, patrulhando.
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Maria Bonomi a Paula Quental, 1989. QUENTAL, Paula. “A Memória Mítica de Maria Bonomi”.
Jornal da Tarde, São Paulo, 4 mar. 1989.
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O gravador, na fatura de sua matriz, ao cortar, sulcar, riscar ou desenhar, está sempre atento para o fato de estar trabalhando em dois universos: o da matriz e o da imagem impressa. São universos complementares mas dotados de existência particular. Na matriz de madeira, o corte de topo ou de fio, a cor e os veios, assim como na de metal, a superfície polida ou corroída pelos ácidos, aparecem configurações que não constam no papel impresso. Nelas estão marcadas a intima relação do artista com a matéria e o registro detalhado do impulso do gesto na mágica e deslumbrante operação de transformação dessa matéria.
Não é de hoje que Maria Bonomi se dispõe a revelar um pouco deste mundo de jogos fascinantes. Em 1972 apresentou as SOLOMBRAS, peças de poliéster que reproduziam matrizes de madeira, tornando-as transparentes e coloridas. Agora nos apresenta os EPIGRAMAS. Desta vez Maria não utiliza fisicamente a matriz, mas o seu fazer xilográfico. Trabalhando o barro duro, ela faz surgir relevos riquíssimos próximos das tessituras de suas gravuras. As peças de barro são convertidas em metal. O barro duro comparece, nem tanto por exigência técnica, mas porque como gravadora a artista não dispensa a resistência do material para poder fazer cantar as vibrações das linhas, e dos sulcos, dos cheios e vazios. Epigramas, poemas breves satíricos que nas mãos de Maria se tornam inscrições de combinações arriscadas, que oferecem inúmeras possibilidades figurativas, abertas para a decifração e fruição.
Os Epigramas encerram um desafio para quem como Maria sempre resguardou a vocação multiplicadora da gravura. Desta vez a matriz deixa de ser a mater geradora de imagens para se transformar ela própria em múltiplo. Neste momento a matriz é resgatada como objeto artístico autônomo que concentra em si o projeto de se automultiplicar, abandonando seu destino de função geratriz.
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Renina Katz, 1984.
KATZ, Renina (apres.). Epigramas. Maria Bonomi.
Biombos. Haron Cohen.
São Paulo, Múltipla de Arte Ltda., nov. 1984.